sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Repercussão: o grito e o baque secos na periferia

De acordo com o sistema de estatísticas do Google, 208 pessoas leram meu post sobre o assalto na 3 de Outubro até o momento que escrevo este segundo post. Apesar do número não ser muito grande também não é desprezível no contexto local. Apesar de não haver nenhum comentário no blog, posso dizer que jornalistas e pessoas com alguma influência na política da cidade leram o texto. O jornalista Carlos Mendes, do Ver-O-Fato, por exemplo, foi um deles. Mendes, gentilmente, reproduziu meu texto, o que deve ter aumentado bastante a audiência do relato. Alguns colegas e amigos manifestaram solidariedade, destaco o Marcelo Gabbay, de São Paulo, a Anete Pitão, que enviou uma carinhosa mensagem de voz pelo whatsapp do Rio de Janeiro. Enize Vidigal e Aline Brelaz manifestaram sua solidariedade no post do Carlos Mendes no Facebook, e Daely Cunha, que hoje mora no Espírito Santo manifestou, além da solidariedade, sua indignação e revolta com o estado de coisas no Pará. Cada um com seu olhar, como tem que ser entre os comuns, com diferenças.

Hoje de manhã em frente à DRCO. Repare o detalhe da cadeirante. Não viu?

Minha eterna vizinha amiga, da época que morava na Vila D. Luiz, lá no Telégrafo, Elizabeth Maciel também manifestou carinho por mim, assim como a minha vizinha e amiga atual, Betânia Galiza, que também informou que bandidos de moto e armados vêm atuando recentemente na área já tem um tempo. Agradeço a esses e a todos os outros amigos e colegas que manifestaram diretamente sua solidariedade. Um velho amigo da universidade me ligou quase de madrugada dizendo que ouviu falar no meu relato. Perguntou, brincando, se era verdade o que eu tinha narrado ou se tinha inventado tudo. Eu disse, brincando, que havia inventado tudo para que os amigos lembrassem de mim e me ligassem.

 Brincadeiras a parte, acredito que também posso ter influenciado ao menos mais um “digital influencer”. O amigo Anderson Araújo (Aderson Jor para os íntimos de Facebook), que atualmente mora em Altamira e é assessor de comunicação na Norte Engenharia, empresa responsável pela construção, manutenção da Hidrelétrica de Belo Monte e suas obras de redução de impacto social e ambiental.  Anderson, porém, não me enviou mensagens de solidariedade nem publicamente nem de forma privada. Anderson é um amigo querido. Fomos colegas no jornal Diário do Pará. Dos meus amigos jornalistas é dos que já vieram em minha casa nas quebradas da Sacramenta. Foi uma única vez, há alguns anos, quando de visita a Belém veio jantar em casa com alguns outros amigos. Anderson se criou na Pedreira, bairro vizinho ao meu. Onde também tenho amigos. Às vezes tomo uma nos espetinhos e bares da Antonio Everdosa, rua do Cabo Leno, um dos policiais acusados de fazer parte de uma milícia, cujo endereço foi publicado juntamente com o mandado de prisão de mais alguns policiais pelo colega Carlos Mendes em seu blog.

Anderson é, por assim dizer, uma celebridade local.  Foi indicado ao Prêmio Fiepa de Jornalismo esse ano pelos comentários que posta em seu perfil no Facebook, cheios de tiradas de humor e de insights criativos e críticos sobre a política nacional, comportamento, moda, enfim, de quase um tudo, como diz o caboco aqui da Sacramenta. Olha o que Anderson escreveu em seu perfil poucas horas depois que Carlos Mendes republicou meu relato sobre o assalto:

“Acho que não vale a pena mais gastar uma linha de textão sobre a situação política do Brasil. Tem que entregar na mão dessa galera que acha que tá bom, que acha que fez a coisa certa, e cada um cuidar da sua sobrevivência.
Que se foda a porra toda.”

Tive a impressão que Anderson (se eu estiver enganado ele pode me corrigir, tranquilamente) se deixou influenciar por um dos pontos do meu texto no blog em que digo que escrever “textão” no Facebook é “hipocrisia, falta do que fazer ou não resolve nada mesmo”. Foi dito assim mesmo, de forma agressiva, dada o calor da hora em que o texto foi escrito. É o que pensava na naquela hora e é o que tendo a pensar. Mas mudei de ideia por causa do assalto. Mas ressalvei que me incomoda ver todo mundo falando sobre política nacional e esquecendo de problemas que parecem “pequenos” no nosso cotidiano. Mesmo que eu não tenha influenciado Anderson, ele já é uma figura pública e podemos discutir seus comentários para compreender alguma coisa sobre esfera pública.

Veja que, algumas horas depois, Anderson teve a infelicidade de ter a notícia de uma vizinha de sua família no bairro da Pedreira assassinada na porta da casa dela. Parece uma ironia cruel do destino. Anderson mandou “cada um cuidar da sua sobrevivência”. Como se já não fosse assim, no nosso dia a dia, independente da ladroagem de Brasília, não é mesmo? Por um momento me pareceu que esse negócio de digital influencer subiu à cabeça do meu amigo Anderson e ele realmente achou que suas críticas bem humoradas dentro do Facebook contribuem verdadeiramente para a mudança da realidade de alguém. O destino trágico da vizinha de Anderson (podia ser eu, podia ser a mãe dele, podia ser qualquer um de nós) o fez começar o post seguinte da seguinte forma:

“A violência extrema de Belém a duas casas de onde mora minha família e me sinto na obrigação de escrever esse relato, a morte da dona Deja.”

Não, não fui eu que influenciei Anderson, com minhas possíveis indiretas, a se sentir obrigado a escrever sobre a violência a duas casas da sua. Foi a triste realidade física, próxima de sua família. Uma tristeza enorme que compartilho com Anderson e todas as famílias de todas as vítimas de violência em Belém e em qualquer lugar do mundo, inclusive na Somália.

Não podemos (aliás, por isso mesmo não devemos) ignorar nossos problemas cotidianos. É por isso que estou escrevendo novamente esse textão. É uma obrigação comum. Esses eventos me dão a oportunidade de esclarecer minha visão sobre a ideia de agendamento da mídia nacional que nos faz discutir política e não discutir segurança, saneamento, educação na escola do nosso filho etc.

Vamos lá: existe uma teoria do jornalismo que os brasileiros traduziram exatamente como teoria do agendamento. Ela se traduz de forma simplória (como várias das ditas “teorias” do jornalismo) em que a imprensa pauta a vida cotidiana das pessoas, suas conversas e parte de suas ações. Parece óbvio, né? O papo sobre o futebol no trabalho, as conversas de Facebook sobre o julgamento do Lula e/ou a votação do Aécio. É normal termos conversa comum para por em dia.

Ocorre que posso cruzar esse agendamento com a teoria do espetáculo (muitos pensadores do jornalismo também já fizeram essa associação, isso não é novidade para os colegas de profissão que estudaram na faculdade, mas vou resumir). O espetáculo lhe prende a atenção e desvia seu olhar. Mesmo que você discorde da votação, mesmo que você tenha uma opinião muito crítica sobre esses temas, suas atenções estão voltadas para um ponto do “palco”, onde o “mágico” faz seus malabarismos, e você esquece de olhar para onde o truque é realmente armado, atrás das cortinas, embaixo da mesa, na cartola do mágico. É uma cortina de fumaça. Tente transferir essa analogia para a vida social.

Detalhe de segurança pública: Ciclista e cadeirante na pista, carros na calçada


É no cotidiano onde as coisas acontecem. Ninguém está dizendo que não há corrupção política e que não é importante combatê-la. Estamos buscando uma solução efetiva, no entanto. Toda corrupção política tem como base o desvio de dinheiro público. Dinheiro arrecadado do contribuinte, do cidadão comum e dos agentes produtivos, empresários, profissionais liberais, trabalhadores, enfim. O processo de arrecadação faz parte de um pacto social em que o Estado se compromete a aplicar esse dinheiro sob princípios de transparência, legalidade, eficácia, impessoalidade etc. A segunda parte desse pacto é o retorno que esse dinheiro tem em benefícios comuns à sociedade: asfalto, sinalização, hospitais, segurança pública, saúde, educação e tudo o mais que esse dinheiro possa pagar sob esses princípios.

Falar sobre o trânsito e a violência local também não muda a realidade a priori mas cria um espectro de opinião pública muito mais forte e efetivo nas mudanças cotidianas. Cobrar (e é preciso saber cobrar) forçará (é o que se espera de um reclame, de uma queixa) que o Estado busque soluções ou dê respostas efetivas, independente de quem estiver no poder seja o PSBD, o PT ou quem quer que seja. Um princípio de cidadania que nada tem a ver com a dimensão espetaculosa que a grande mídia incorporou e que os micro influenciadores digitais reproduzem em seus pequenos universos, influenciados, de fato, por quem agenda suas pautas: a grande mídia corporativa.

Um pouco mais de humildade em nossos espectros de influência pode de repente ampliar os resultados efetivos sobre a realidade próxima. É o que penso. Continuo não tendo tempo para textões, mas sou obrigado a escrever mais este. Sinto que devo escrever mais alguns sobre coisas bem próximas. Assunto não falta. Se eu sobrevivi até aqui. Estaria forçando a barra se me arriscar mais um pouco apontando falhas em nosso sistema de segurança pública? Não sei. O que você acham?

Ah, quase ia esquecendo: no mesmo dia do assalto, a Secretaria de Mobilidade Urbana de Belém (Semob) guinchou meu carro ao lado de um shopping, onde fui comprar um celular novo, em uma rua de sinalização precaríssima, onde sequer havia faixa amarela (ou de qualquer cor) ao lado da pista. Mas na porta da Divisão de Repressão a Furtos e Roubos (DRFR) e da Divisão de Repressão e Combate ao Crime Organizado (DRCO) da Polícia Civil os carros continuam estacionados sobre a calçada e sobre a ciclovia. 

Um comentário:

  1. Grande Nicolau!

    Amigo, sinto muito pelo teu assalto. Eu comecei a ler teu post no dia e acabei parando devido a uma porrada de afazeres do trabalho. Ficou faltando expressar a minha solidariedade no caso. Belém está cada dia pior em vários quesitos, no de segurança o drama é ainda mais grave. Temos que nos cuidar, porque, infelizmente, o estado não supre as imensas demandas.

    Quanto ao meu comentário sobre cada um cuidar da sua sobrevivência, de fato, de verdade mesmo, não teve a ver com teu caso, apesar de coincidentemente ter pipocado na tua tela em horário próximo ao relato. Eu falava mesmo da guerra de argumentos fascistas que estamos testemunhando. Um momento que a gente tenta propor ideias lógicas e baseadas na realidade, mas os haters se unem e transformam o debate numa fossa, cheia de merda, cheia de opiniões distorcidas e de apologias ao ódio. Estou decepcionado demais com o que estamos vivendo e, realmente, tentando me distanciar de discussões políticas, embora isso seja quase impossível. E aqui falo da política partidária mesma, desse debate besta que jogou o Brasil num FlaFlu ou REPA interminável.

    Minutos depois desse meu post sobre política eu tive a infelicidade de saber da morte da minha vizinha, o que veio me provar que, mesmo querendo, a gente não consegue se distanciar da política, porque ela permeia tudo mesmo. Absolutamente, tudo. Como disseste, uma ironia da vida, das muitas que ainda vamos presenciar.

    Obrigado pela menção no post e por me ter na conta dos bons amigos. Não tenho essa influência digital toda que alguns falam (creio que seja na base da piada), mas ainda assim fico agradecido quando pessoas da sua inteligência prestam atenção no que digo.

    Desculpe o mau jeito e sigamos, meu chapa.

    Te cuida, irmão.

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