De acordo com o sistema de estatísticas do Google, 208 pessoas leram meu post sobre o assalto na 3 de Outubro até o momento que
escrevo este segundo post. Apesar do número não ser muito grande também não é
desprezível no contexto local. Apesar de não haver nenhum comentário no blog, posso dizer que
jornalistas e pessoas com alguma influência na política da cidade leram o
texto. O jornalista Carlos Mendes, do Ver-O-Fato, por exemplo, foi um deles.
Mendes, gentilmente, reproduziu meu texto, o que deve ter aumentado bastante a
audiência do relato. Alguns colegas e amigos manifestaram solidariedade, destaco
o Marcelo Gabbay, de São Paulo, a Anete Pitão, que enviou uma carinhosa
mensagem de voz pelo whatsapp do Rio de
Janeiro. Enize Vidigal e Aline Brelaz manifestaram sua solidariedade no post do
Carlos Mendes no Facebook, e Daely Cunha, que hoje mora no Espírito Santo
manifestou, além da solidariedade, sua indignação e revolta com o estado de
coisas no Pará. Cada um com seu olhar, como tem que ser entre os comuns, com
diferenças.
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Hoje de manhã em frente à DRCO. Repare o detalhe da cadeirante. Não viu? |
Minha eterna vizinha amiga, da época que morava na Vila D.
Luiz, lá no Telégrafo, Elizabeth Maciel também manifestou carinho por mim,
assim como a minha vizinha e amiga atual, Betânia Galiza, que também informou que
bandidos de moto e armados vêm atuando recentemente na área já tem um tempo. Agradeço
a esses e a todos os outros amigos e colegas que manifestaram diretamente sua
solidariedade. Um velho amigo da universidade me ligou quase de madrugada
dizendo que ouviu falar no meu relato. Perguntou, brincando, se era verdade o
que eu tinha narrado ou se tinha inventado tudo. Eu disse, brincando, que havia
inventado tudo para que os amigos lembrassem de mim e me ligassem.
Brincadeiras a parte,
acredito que também posso ter influenciado ao menos mais um “digital influencer”.
O amigo Anderson Araújo (Aderson Jor para os íntimos de Facebook), que
atualmente mora em Altamira e é assessor de comunicação na Norte Engenharia,
empresa responsável pela construção, manutenção da Hidrelétrica de Belo Monte e
suas obras de redução de impacto social e ambiental. Anderson, porém, não me enviou mensagens de
solidariedade nem publicamente nem de forma privada. Anderson é um amigo
querido. Fomos colegas no jornal Diário do Pará. Dos meus amigos jornalistas é
dos que já vieram em minha casa nas quebradas da Sacramenta. Foi uma única vez,
há alguns anos, quando de visita a Belém veio jantar em casa com alguns outros
amigos. Anderson se criou na Pedreira, bairro vizinho ao meu. Onde também tenho
amigos. Às vezes tomo uma nos espetinhos e bares da Antonio Everdosa, rua do
Cabo Leno, um dos policiais acusados de fazer parte de uma milícia, cujo
endereço foi publicado juntamente com o mandado de prisão de mais alguns
policiais pelo colega Carlos Mendes em seu blog.
Anderson
é, por assim dizer, uma celebridade local. Foi indicado ao Prêmio Fiepa de Jornalismo
esse ano pelos comentários que posta em seu perfil no Facebook, cheios de tiradas
de humor e de insights criativos e críticos sobre a política nacional,
comportamento, moda, enfim, de quase um tudo, como diz o caboco aqui da
Sacramenta. Olha o que Anderson escreveu em seu perfil poucas horas depois que
Carlos Mendes republicou meu relato sobre o assalto:
“Acho
que não vale a pena mais gastar uma linha de textão sobre a situação política
do Brasil. Tem que entregar na mão dessa galera que acha que tá bom, que acha
que fez a coisa certa, e cada um cuidar da sua sobrevivência.
Que
se foda a porra toda.”
Tive
a impressão que Anderson (se eu estiver enganado ele pode me corrigir,
tranquilamente) se deixou influenciar por um dos pontos do meu texto no blog em
que digo que escrever “textão” no Facebook é “hipocrisia, falta do que fazer ou
não resolve nada mesmo”. Foi dito assim mesmo, de forma agressiva, dada o calor
da hora em que o texto foi escrito. É o que pensava na naquela hora e é o que
tendo a pensar. Mas mudei de ideia por causa do assalto. Mas ressalvei que me
incomoda ver todo mundo falando sobre política nacional e esquecendo de
problemas que parecem “pequenos” no nosso cotidiano. Mesmo que eu não tenha
influenciado Anderson, ele já é uma figura pública e podemos discutir seus
comentários para compreender alguma coisa sobre esfera pública.
Veja que, algumas horas depois, Anderson teve a infelicidade
de ter a notícia de uma vizinha de sua família no bairro da Pedreira
assassinada na porta da casa dela. Parece uma ironia cruel do destino. Anderson
mandou “cada um cuidar da sua sobrevivência”. Como se já não fosse assim, no
nosso dia a dia, independente da ladroagem de Brasília, não é mesmo? Por um
momento me pareceu que esse negócio de digital influencer subiu à cabeça do meu
amigo Anderson e ele realmente achou que suas críticas bem humoradas dentro do
Facebook contribuem verdadeiramente para a mudança da realidade de alguém. O
destino trágico da vizinha de Anderson (podia ser eu, podia ser a mãe dele,
podia ser qualquer um de nós) o fez começar o post seguinte da seguinte forma:
“A
violência extrema de Belém a duas casas de onde mora minha família e me sinto
na obrigação de escrever esse relato, a morte da dona Deja.”
Não,
não fui eu que influenciei Anderson, com minhas possíveis indiretas, a se
sentir obrigado a escrever sobre a violência a duas casas da sua. Foi a triste realidade
física, próxima de sua família. Uma tristeza enorme que compartilho com Anderson
e todas as famílias de todas as vítimas de violência em Belém e em qualquer
lugar do mundo, inclusive na Somália.
Não
podemos (aliás, por isso mesmo não devemos) ignorar nossos problemas
cotidianos. É por isso que estou escrevendo novamente esse textão. É uma
obrigação comum. Esses eventos me dão a oportunidade de esclarecer minha visão
sobre a ideia de agendamento da mídia nacional que nos faz discutir política e
não discutir segurança, saneamento, educação na escola do nosso filho etc.
Vamos
lá: existe uma teoria do jornalismo que os brasileiros traduziram exatamente como
teoria do agendamento. Ela se traduz de forma simplória (como várias das ditas “teorias”
do jornalismo) em que a imprensa pauta a vida cotidiana das pessoas, suas
conversas e parte de suas ações. Parece óbvio, né? O papo sobre o futebol no
trabalho, as conversas de Facebook sobre o julgamento do Lula e/ou a votação do
Aécio. É normal termos conversa comum para por em dia.
Ocorre
que posso cruzar esse agendamento com a teoria do espetáculo (muitos pensadores
do jornalismo também já fizeram essa associação, isso não é novidade para os
colegas de profissão que estudaram na faculdade, mas vou resumir). O espetáculo
lhe prende a atenção e desvia seu olhar. Mesmo que você discorde da votação,
mesmo que você tenha uma opinião muito crítica sobre esses temas, suas atenções
estão voltadas para um ponto do “palco”, onde o “mágico” faz seus malabarismos,
e você esquece de olhar para onde o truque é realmente armado, atrás das
cortinas, embaixo da mesa, na cartola do mágico. É uma cortina de fumaça. Tente
transferir essa analogia para a vida social.
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Detalhe de segurança pública: Ciclista e cadeirante na pista, carros na calçada |
É no
cotidiano onde as coisas acontecem. Ninguém está dizendo que não há corrupção
política e que não é importante combatê-la. Estamos buscando uma solução efetiva,
no entanto. Toda corrupção política tem como base o desvio de dinheiro público.
Dinheiro arrecadado do contribuinte, do cidadão comum e dos agentes produtivos,
empresários, profissionais liberais, trabalhadores, enfim. O processo de
arrecadação faz parte de um pacto social em que o Estado se compromete a
aplicar esse dinheiro sob princípios de transparência, legalidade, eficácia, impessoalidade
etc. A segunda parte desse pacto é o retorno que esse dinheiro tem em
benefícios comuns à sociedade: asfalto, sinalização, hospitais, segurança pública,
saúde, educação e tudo o mais que esse dinheiro possa pagar sob esses
princípios.
Falar sobre o trânsito e a violência local também não muda a
realidade a priori mas cria um espectro de opinião pública muito mais forte e
efetivo nas mudanças cotidianas. Cobrar (e é preciso saber cobrar) forçará (é o
que se espera de um reclame, de uma queixa) que o Estado busque soluções ou dê
respostas efetivas, independente de quem estiver no poder seja o PSBD, o PT ou
quem quer que seja. Um princípio de cidadania que nada tem a ver com a dimensão
espetaculosa que a grande mídia incorporou e que os micro influenciadores
digitais reproduzem em seus pequenos universos, influenciados, de fato, por
quem agenda suas pautas: a grande mídia corporativa.
Um pouco mais de humildade em nossos espectros de influência pode
de repente ampliar os resultados efetivos sobre a realidade próxima. É o que
penso. Continuo não tendo tempo para textões, mas sou obrigado a escrever mais
este. Sinto que devo escrever mais alguns sobre coisas bem próximas. Assunto
não falta. Se eu sobrevivi até aqui. Estaria forçando a barra se me arriscar
mais um pouco apontando falhas em nosso sistema de segurança pública? Não sei.
O que você acham?
Ah, quase ia esquecendo: no mesmo dia do assalto, a Secretaria
de Mobilidade Urbana de Belém (Semob) guinchou meu carro ao lado de um shopping,
onde fui comprar um celular novo, em uma rua de sinalização precaríssima, onde
sequer havia faixa amarela (ou de qualquer cor) ao lado da pista. Mas na porta
da Divisão de Repressão a Furtos e Roubos (DRFR) e da Divisão de Repressão e
Combate ao Crime Organizado (DRCO) da Polícia Civil os carros continuam
estacionados sobre a calçada e sobre a ciclovia.