segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Mudança de hábito: duas posturas diante do Estado

Hoje de manhã decidi ir caminhar novamente depois do assalto do dia 18. Em vez de sair de casa andando, com o celular na mão, peguei o velho celtinha prata e fui de carro até a Praça Eduardo Angelim, na Pedreira, e de lá fui caminhando pela Antonio Everdosa. No meio do caminho encontrei o Nonato. Ele estava capinando o canteiro central da rua. Em pleno sol, no dia do feriado dos comerciários, ele já tinha capinado uns 30 metros. Quando passei, falei: “A Prefeitura não trabalha, não é mesmo, meu amigo?” Ele respondeu de bate pronto: “A gente que tem que fazer o trabalho do Zenada”. Fazendo menção ao nome do prefeito Zenaldo Coutinho.

Raimundo Nonato dos Santos, 53 anos, comerciária faz o trabalho da PMB.


Depois da caminhada, peguei o celular no carro e fui entrevistar Raimundo Nonato do Santos, 53, comerciário que trabalha há 33 anos na loja Y. Yamada. Nonato contou que todo ano, antes do Círio, a Prefeitura costuma passar para “dar aquela maquiada na cidade”. Mas este nem isso ela fez. Nonato decidiu então ele mesmo por a mão na massa. Disse que fazia aquilo em benefício do pai, que mora em frente ao trecho do canteiro central em que ele trabalhava e dos vizinhos. Ele mesmo não mora mais na Antonio Everdosa há oito anos.  Mudou-se com a esposa para a Enéas Pinheiro, a 40 metros da casa do pai.

Nonato chamou os vizinhos para a empreitada. Disseram que aquilo não era trabalho dele, nem deles, era da prefeitura e caçoaram dele. “Eu disse que se a Prefeitura não faz a gente não pode deixar desse jeito. Mas agora mesmo dois vizinhos já passaram aqui e ficaram gozando com a minha cara. Disse que se eles não ajudam pelo menos não deveriam encarnar”, contou.

O comerciário não liga para as brincadeiras, mas se espanta com certas reações. Ele começou o trabalho ontem, no domingo. Deixou o mato e o lixo tirados na lateral. Depois de capinar, o dono de um carro de mão de madeira (desses grandes que esses carregadores conduzem pela periferia carregando lixo da frente das casas para terrenos baldios e esquinas cheias de entulho que semanalmente a Prefeitura recolhe) passou em sua casa. Bateu lá e mandou chamá-lo. O homem disse que levaria o lixo por apenas R$ 10.

“Achei abusado. Eu disse para ele que eu não morava lá em frente ao canteiro central e que ele deveria ter pedido para os donos das casas de lá. Pois veja, que os vizinhos indicaram a minha casa para que ele fosse oferecer o serviço lá, mesmo eu não morando na rua. Quando fui fazer o trabalho pedi que os vizinhos colaborassem ao menos com R$ 10 cada um, que eu chamaria uns amigos da igreja onde congrego para eles ajudarem”, contou ele, que frequenta a Quadrangular no mesmo quarteirão.

“Se ele [o carregador] aparecer hoje, deixa que eu mesmo vou de porta em porta com ele pedir que os vizinhos paguem o serviço dele”, finalizou.

A. Everdosa com Enéas Pinheiro, na Pedreira, onde a PMB não aparece. 

Corta a cena. Ontem, domingo, na Praça da República um colega professor de música me encontrou e contei do assalto, ele, por sua vez, contou a seguinte história. Muito tempo subempregado, ele foi aprovado no último processo seletivo da Secretaria Estadual de Educação, e está dando aula. Contou que estava com a licença da moto vencida e foi parado em uma blitz. Teve que deixar R$ 100 de propina para o guarda para ser liberado.  “Achei caro para uma moto”, disse ele.

Sem nenhuma cerimônia, Aluísio (nome fictício) contou que pegou um case de violão vazio e foi para a sala de aula e roubou um dos 11 violões novos que a escola tinha. Vendeu por R$ 150. “O Estado quer me roubar?! Então, tá”, disse ele a guisa de justificativa.

Esse é o estado de coisa do meu Brasil varonil hoje em dia.



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