Hoje de manhã decidi ir
caminhar novamente depois do assalto do dia 18. Em vez de sair de casa andando,
com o celular na mão, peguei o velho celtinha prata e fui de carro até a Praça
Eduardo Angelim, na Pedreira, e de lá fui caminhando pela Antonio Everdosa. No
meio do caminho encontrei o Nonato. Ele estava capinando o canteiro central da
rua. Em pleno sol, no dia do feriado dos comerciários, ele já tinha capinado
uns 30 metros. Quando passei, falei: “A Prefeitura não trabalha, não é mesmo,
meu amigo?” Ele respondeu de bate pronto: “A gente que tem que fazer o trabalho
do Zenada”. Fazendo menção ao nome do prefeito Zenaldo Coutinho.
Raimundo Nonato dos Santos, 53 anos, comerciária faz o trabalho da PMB. |
Depois da caminhada,
peguei o celular no carro e fui entrevistar Raimundo Nonato do Santos, 53,
comerciário que trabalha há 33 anos na loja Y. Yamada. Nonato contou que todo
ano, antes do Círio, a Prefeitura costuma passar para “dar aquela maquiada na
cidade”. Mas este nem isso ela fez. Nonato decidiu então ele mesmo por a mão
na massa. Disse que fazia aquilo em benefício do pai, que mora em frente ao
trecho do canteiro central em que ele trabalhava e dos vizinhos. Ele mesmo não
mora mais na Antonio Everdosa há oito anos.
Mudou-se com a esposa para a Enéas Pinheiro, a 40 metros da casa do pai.
Nonato chamou os vizinhos
para a empreitada. Disseram que aquilo não era trabalho dele, nem deles, era da
prefeitura e caçoaram dele. “Eu disse que se a Prefeitura não faz a gente não
pode deixar desse jeito. Mas agora mesmo dois vizinhos já passaram aqui e
ficaram gozando com a minha cara. Disse que se eles não ajudam pelo menos não
deveriam encarnar”, contou.
O comerciário não liga
para as brincadeiras, mas se espanta com certas reações. Ele começou o trabalho
ontem, no domingo. Deixou o mato e o lixo tirados na lateral. Depois de
capinar, o dono de um carro de mão de madeira (desses grandes que esses carregadores
conduzem pela periferia carregando lixo da frente das casas para terrenos
baldios e esquinas cheias de entulho que semanalmente a Prefeitura recolhe)
passou em sua casa. Bateu lá e mandou chamá-lo. O homem disse que levaria o
lixo por apenas R$ 10.
“Achei abusado. Eu disse
para ele que eu não morava lá em frente ao canteiro central e que ele deveria
ter pedido para os donos das casas de lá. Pois veja, que os vizinhos indicaram
a minha casa para que ele fosse oferecer o serviço lá, mesmo eu não morando na
rua. Quando fui fazer o trabalho pedi que os vizinhos colaborassem ao menos com
R$ 10 cada um, que eu chamaria uns amigos da igreja onde congrego para eles
ajudarem”, contou ele, que frequenta a Quadrangular no mesmo quarteirão.
“Se ele [o carregador]
aparecer hoje, deixa que eu mesmo vou de porta em porta com ele pedir que os
vizinhos paguem o serviço dele”, finalizou.
A. Everdosa com Enéas Pinheiro, na Pedreira, onde a PMB não aparece. |
Corta a cena. Ontem,
domingo, na Praça da República um colega professor de música me encontrou e contei
do assalto, ele, por sua vez, contou a seguinte história. Muito tempo
subempregado, ele foi aprovado no último processo seletivo da Secretaria Estadual
de Educação, e está dando aula. Contou que estava com a licença da moto vencida
e foi parado em uma blitz. Teve que deixar R$ 100 de propina para o guarda para
ser liberado. “Achei caro para uma moto”,
disse ele.
Sem nenhuma cerimônia, Aluísio
(nome fictício) contou que pegou um case de violão vazio e foi para a sala de
aula e roubou um dos 11 violões novos que a escola tinha. Vendeu por R$ 150. “O
Estado quer me roubar?! Então, tá”, disse ele a guisa de justificativa.
Esse é o estado de coisa
do meu Brasil varonil hoje em dia.
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