Vereadores da base do prefeito Zenaldo Coutinho aprovam
projeto na Câmara Municipal de Belém que altera radicalmente o conteúdo da Lei que
instituiu o Sistema Municipal de Cultura
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Os últimos militantes, que saíram da CMB depois das 23 horas de ontem |
A Câmara Municipal de Belém, ao final de mais de 10 horas de
resistência promovida pelos movimentos culturais e pelos vereadores do PSOL
Fernando Carneiro e Marinor Brito, aprovou o projeto que altera radicalmente a
Lei Valmir Bispo, que criou o Sistema Municipal de Cultura. A lei está reduzida
de mais de 70 artigos para cerca de 40 artigos e abre mais brechas ao poder
público municipal para ter controle sobre o Conselho Municipal de Políticas
Culturais (CMPC). Também deixa de estabelecer teto mínimo para o orçamento da
cultura, definido que o orçamento pode ser de “até 2%” do orçamento total do
município.
O Proa (Movimento Produtores e Artistas Associados) e outras
entidades culturais montaram plantão desde a manhã de ontem na CMB para tentar
barrar o projeto de Zenaldo. Mas não foi suficiente. Marinor e Fernando
Carneiro deram entrada em cerca de 300 emendas ao projeto tentando protelar a
votação. Com maioria absoluta na Casa, porém, os vereadores aprovaram a
proposta governista por volta das 23h.
Houve um momento, por volta das 17h, que perecia que se
chegaria a um acordo depois de forte pressão nas galerias. Os militantes
gritavam os nomes dos vereadores da base de Zenaldo que nem sequer se
manifestavam a cerca da votação.
Pressionado, o vereador Joaquim Campos (PMDB), também
apresentador de televisão, subiu à tribuna e falou, mas não disse nada que
fosse significativo. Já Blenda Quaresma, também do PMDB, fez bico para a
galeria quando ouviu seu nome gritado pelos militantes da cultura. Outro
vereador, Dudu da Comunidade, subiu à tribuna e também falou. Ele perguntou se
determinados segmentos estavam representados no Conselho Municipal de Políticas
Culturais (CMPC). Mostrou que não leu a lei que queria aprovar e alterar. E
isso deixou mais indignados ainda os militantes da cultura que gritaram que a
Câmara devia mesmo discutir cultura.
Com palavras de ordem, os militantes diziam querer garantir
o direito ao trabalho na cultura e receberam da claque do prefeito, formada por
DAS e parentes de DAS, ofensas como “bando de vagabundos”. Como eu estava a
circular pela galeria e pelo plenário, como jornalista, vi uma dessas pessoas,
uma senhora de cabelo pintado, joias douradas e maquiagem exagerada (que, a despeito
disso tudo, não conseguia disfarçar sua origem humilde) gritar algo assim: “Vai
lavar esse cabelo sujo cheio de piolho!”.
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O clima ficou tenso e a Guarda Municipal entrou na galeria |
A jornalista e ativista Úrsula Vidal foi uma das que se
sentiu indignada com as ofensas. O clima esquentou e guardas municipais
entraram na galeria. “Aqui tem trabalhador, pai de família”, dizia Úrsula.
Ação política e
pragmática
Apenas no ano passado
a Fundação Cultural de Belém empossou o Conselho Municipal de Políticas
Culturais (CPMC), do qual faço parte por indicação do Sindicato dos Jornalistas
do Pará (Sinjor-PA) na cadeira de “comunicação alternativa”. O CMPC, porém, não
atua efetivamente porque o prefeito sequer homologou o regimento interno do
conselho, já aprovado.
O projeto do prefeito contava desde o início com apoio
irrestrito da maioria da câmara, que vendeu seu voto por apoio político a
projetos que contemplam seus nichos partidários. O PROA se mobilizou para
acompanhar e pressionar os vereadores desde cedo. Eu, Úrsula Vidal e o
professor de Economia da UFPA, Valcir Santos, irmão de Valmir Bispo, que dá
nome à lei popular, entre outros, fomos visitar em dois grupos alguns
vereadores para tentar reverter o quadro. Recebemos de vereadores da situação “dicas”
para não votar a lei hoje porque caso contrário ela seria aprovada por “um rolo
compressor”.
Somente Marinor Brito e Fernando Carneiro formam a mínima
frente de resistência que apoia conselheiros municipais, artistas e produtores.
Na opinião de Úrsula, a votação foi “um verdadeiro circo de horrores”, que
demonstra como a maioria da câmara municipal sequer sabe o que um projeto como
este significa para a cidade. Inicialmente, apenas Brito e Carneiro pediram a
palavra. Para não obstruir e atrasar a votação a base do governo não se
manifestou. Os produtores e artistas da galeria começaram a pressionar,
gritando o nome de alguns vereadores para que se manifestassem porque estavam
votando a favor do projeto da PMB.
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O painel vermelho da Câmara mostra a rejeição dos vereadores às emendas |
Mais cedo, em seu gabinete, o vereador Henrique Soares, que,
segundo ele próprio, apoiou Edmilson Rodrigues na campanha municipal mas agora
virou base de apoio de Zenaldo, afirmou que não conhecia o conteúdo da Lei
Valmir Bispo, apenas o conteúdo do projeto de Zenaldo. Quando se sentiu pressionado,
pediu que os ativistas não se manifestassem contra os vereadores que votassem a
favor do prefeito nas redes sociais. “Essa é uma arma que nós temos vereador,
expor vocês”, disse Valcir Santos.
Articulado com dificuldade, e sem as manhas dos processos
políticos institucionais, o movimento cultural perdeu tempo em apresentar
emendas ao projeto de Zenaldo para tentar travá-lo na Câmara. Foi essa a “dica”
do vereador Moa Moraes, que emprestou seu nome à legenda do PR para ser
vereador. Desde o ano passado na Câmara, Carneiro e Brito conseguiram preparar
cerca de 300 emendas ao projeto. Moa disse que o ideal eram “mil emendas”.
Assim, com essa estratégia seria possível pressionar o governo a adiar ou criar
audiências públicas para discutir as alterações.
Moa contou como pressiona o prefeito para atender suas
demandas. “Quando o projeto dele que não contempla nenhuma rua que é do meu
interesse, eu apresento mil emendas e travo o projeto da Câmara. Até que ele
venha negociar comigo”, ensina o vereador.
Talvez a votação tenha um gosto amargo para os militantes da
cultura, tão pouco pragmáticos politicamente. Mas não significa uma derrota
completa. O projeto de Zenaldo previa que DAS (cargos comissionados do governo)
pudessem ter assento no conselho municipal, o que era antes de tudo um acinte a
qualquer procedimento ético nessa política, que caberia ao absurdo. Uma política cada vez
mais tacanha, que é enfiada goela abaixo com cada vez menos pessoas reclamando.
Ao que parece essa foi a emenda que evitava isso foi a única aprovada quase por
unanimidade por Marinor.
Também se manteve, um tanto timidamente, o caráter “deliberativo”
do conselho. Mas isso, na minha opinião, não muda a realidade dos fatos.
De
fato, a diretriz e a atuação da política municipal de cultura vai depender cada
vez mais daqui pra frente de uma ampla participação popular e de lideranças,
atuando dentro e fora do CMPC. Assim como toda a política no Brasil de hoje. É
preciso descer do pedestal e assumir a linha de frente nos sindicatos,
associações, centros comunitários e outras instâncias. Caso contrário, o “rolo
compressor” vai continuar ditando o rumo das nossas vidas.