quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Walter Benjamin e a politização da arte


Entrevista que fiz com Detlev Schöttker, realizada em 2013 no PPGCOM e nunca antes publicada.

Detlev Schöttker esteve na UFPA a convite do PPGCOM


Detlev Schöttker é professor da Universidade Técnica de Dresden, na Alemanha, e um dos mais reconhecidos pesquisadores da obra de Walter Benjamin. Entre seus livros publicados estão “Walter Benjamin: Werke und Nachlaß Kritische Gesamtausgabe” e “Walter Benjamin das kunstwerk im zeitalter seiner technischen reproduzierbarkeit”. Este último título foi publicado parcialmente no Brasil em 2012, pela Contraponto, como “Comentários sobre Benjamin e A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica”, lançado em um volume composto com o texto original de Benjamin e outros ensaios.
Em maio de 2013, Schöttker foi convidado pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM) da UFPA, então sob a direção da professora Maria Ataíde Malcher, a ministrar uma conferência aberta e um curso aos alunos do Programa. Fui um dos 20 alunos que tiveram a sorte de conviver com Schöttker durante uma semana, período em que ele lecionou como se tivesse na sala de aula de um curso preparatório ao vestibular: encenando, fazendo jogos bem humorados e ajudando a desfazer todo o mistério que os professores de graduação haviam nos feito crer que existia na obra de Benjamin.
Fosse pedindo aos alunos que encenassem uma peça teatral ou fosse articulando frases em inglês e português, ele repassava conhecimentos sobre a formação aurática e sobre a performance dos artistas e seu impacto na recepção da obra. Ele também falou sobre detalhes a cerca do conteúdo e da publicação de uma dos mais famosos ensaios de um dos maiores autores do século XX. Tudo auxiliado por dois intérpretes, sendo um deles o professor Gunter Karl Pressler, alemão que mora há mais de 15 anos no Brasil.
Foi o Prof. Pressler que me auxiliou na entrevista que realizei ao final do curso e que reproduzo abaixo. Concedida em abril de 2013, com auxílio de transcrição de Vivian Carvalho, que, junto comigo, dividia a representação discente no Programa à época. Não sei exatamente porque esse material não foi publicado antes. De toda forma, agora ele está disponível. E chega em momento importante, onde realmente as pessoas passam não só a criar expetativas como a questionar a postura do artista para além de sua obra.

Os comentários de seu livro, que está sendo lançado agora no Brasil, demonstram que a percepção/observação da arte na era de sua reprodução não era uma novidade à época de Walter Benjamin, outras pessoas pensaram e escreveram a respeito. Em sua opinião por que o texto de Benjamin ganhou mais notoriedade e mais perenidade que outros?
Benjamin é o primeiro teórico que realmente deu uma seriedade de pesquisa à questão estética da reprodução da arte. Ele coloca essa questão no conjunto das questões filosóficas sobre a arte. A estética anterior a Benjamin não se dedicou a questões técnicas ou tecnológicas da arte. Então, se queremos, na atualidade, compreender a arte, nós precisamos assumir a responsabilidade de refletir sobre a reprodutibilidade, as questões técnicas da arte.

A representação pública de Benjamin sugere uma personalidade melancólica. O Sr. acredita que Walter Benjamin colaborou, de alguma forma, consciente ou inconscientemente, para a construção de um aura “mítica” para o próprio trabalho dele?
Se Benjamin tivesse sido sempre uma pessoa melancólica, deprimida, ele não teria trabalhado tão produtivamente. Então, ele não pode ter sido triste a vida inteira. Benjamin estava interessado na melancolia de outros grandes artistas, não tinha uma reflexão somente da sua própria melancolia. Mas, a recepção interpretou o que ele pesquisou e destacou como se fosse um atributo dele mesmo.  

Mas o Sr. acredita que Benjamin teve, em algum momento, a percepção de que o próprio trabalho seria visto, na posteridade, dessa forma melancólica?
Benjamin tinha a consciência de que o mundo se interessava mais pelo melancólico do que pelo alegre. Naturalmente, ele não rejeitou essa imagem e também se adaptou a ela. Ele pensou que seria visto assim, futuramente.

Benjamin é visto como um dos principais teóricos do século XX. Em sua opinião, nós podemos compreender o mundo contemporâneo a partir da obra do Benjamin? Por quê?
Benjamin não conseguiu prever exatamente o mundo digital, esse mundo não faz parte da percepção dele. Benjamin pensou bastante sobre a construção eletrotécnica do mundo e com essa reflexão teórica ele encaminhou ideias para esse mundo atual, para esse mundo digital. Então, a partir de Benjamin, você pode pensar e continuar desenvolvendo uma reflexão sobre o mundo atual.

Benjamin aponta a “politização da arte” como uma alternativa prática e revolucionaria à “estetização da política”. Acredito que essa não é uma posição muito bem vista pelos teóricos da arte. O Sr. acredita que hoje é possível politizar a arte?
Durante os movimentos das guerras isso foi uma questão importante, a politização da arte. A redescoberta de Benjamin foi uma redescoberta política, entretanto os enfoques mudaram para a questão da percepção e da reflexão teórica da arte. Quer dizer, a questão política ficou em segundo ou terceiro lugar, mas não desapareceu totalmente. Eu acredito que a questão política da arte vai voltar.

É possível, então, politizar a arte contemporânea?
Podemos ver que a oposição, as forças políticas contra a globalização, já usam, novamente, atividades artísticas para colocar as questões políticas no ar. Então, a politização da arte dessa forma está presente nos movimentos políticos e não na Academia.

Gostaria que o Sr. explicasse, por ser uma questão recorrente, por que Benjamin não pode ser associado à Escola de Frankfurt. A que devemos essa afirmação? Quais os conceitos e as orientações que distanciam Benjamin de Adorno e Horkheimer?

Benjamin se interessava bastante por questões metafísicas, enquanto a Escola de Frankfurt estava mais preocupada com questões econômicas, empíricas. Benjamin era muito ligado aos fenômenos espirituais, imateriais e não simplesmente às questões que estão diante de nós, as questões do capitalismo visível. Isso é um fator que o distancia da Escola de Frankfurt, é uma diferença fundamental entre ele e os outros membros da escola de Frankfurt. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário